terça-feira, 19 de maio de 2009

É tão fácil enriquecer num país de otários...

O Sr. Primeiro Ministro de Otarioland aguardava a chegada do Dr. Júlio Flipont, que aparentemente se atrasara. Não haveria grande problema, uma vez que esta reunião se poderia revelar de uma natureza bastante benéfica. O Sr. Primeiro Ministro não é ingrato, e para além disso, sabe que com estas coisas não se brinca. Em suma, não estava para se chatear.
O local era secreto. Não é do interesse do Sr. Primeiro Ministro que se saiba destes assuntos. Uma coisa é o que o país ganha com estas vendas; outra coisa bem diferente é o que ele ganha. Mais uns minutos e o Sr. Doutor, que nunca foi mesmo doutor, mas que tem dinheiro suficiente para que assim o tratem, chegaria para discutir a questão da compra.
O Sr. Primeiro Ministro acende um cigarro, reflectindo na integridade dos seus actos. O termo "corrupção" vem-lhe à cabeça, deixando algum peso no estômago e uma pequena gota de suor a escorrer levemente pela testa. Limpa-a com um lenço e pensa: "Será que não me vou foder à conta destes esquemas? Hmmm, em princípio não.. ninguém há-de dar conta. Afinal de contas, isto parece ser o futuro da humanidade.. a privatização". Num momento de reflexão, acaba por pensar que não se voltará a candidatar. A vergonha de usar 4 anos de mandato para o seu enriquecimento pessoal e o pouco que contribuiu para o bem-estar geral lembram-no de que a decisão mais justa será oferecer o lugar ao próximo. É preciso que haja equilíbrio no mundo, caso contrário a ganância perdura.
A campainha toca. O Sr. Primeiro Ministro exalta-se, e nervoso desloca-se à porta para a abrir. Hoje não há secretária que faça isso por ele. Abre a porta, e cumprimenta o Sr. Dr. de uma forma excessivamente humilde e cordial para um Primeiro Ministro.
O Sr. Dr. Flipont, de origem Francesa e descendente de uma família de negócios abastada, entra com uma postura superior à do Sr. Primeiro Ministro. Não apenas hoje, mas todos os dias, essa postura é igual. Reflecte a de um homem pequeno, com um pénis minúsculo, mas bastante adaptado nesta sociedade urbana e anti-natura. Apesar da atraente e inteligente esposa, os filhos são burros, têm os dentes tortos e um dia serão carecas. É o que acontece quando o dinheiro entra no processo evolutivo.
O Sr. Primeiro Ministro convida o Sr. Dr. Flipont a sentar-se e oferece-lhe uma bebida. Uma bela zurrapa de €150 por garrafa é despejada sem respeito em dois copos, duas pedras cúbicas e transparentes começam a derreter lentamente e os dois cavalheiros dão início à conversa.
O assunto é a venda de empresas de serviços públicos a particulares. Ao que parece, o estado pode vender as suas companhias de serviços públicos sem qualquer necessidade da aprovação do cidadão. Os lucros que essas empresas teriam e que pertenceriam a todos podem passar muito facilmente para as mãos de empresários gananciosos e competitivos que farão essas empresas prosperar. Isto é óptimo para eles, sem dúvida. O problema é que o dinheiro ganho pelo governo com estas vendas, rapidamente se gasta em merdas e acaba. A partir daí, a vantagem obtida pelo estado é a ridícula percentagem de lucros que a empresa paga em impostos. Mas é óbvio que o que todos queremos é que a empresa prospere, seja em que mãos for. Um país ocidental precisa de uma economia próspera.
Desta vez, é a Companhia de Electricidade de Otarioland que é disputada por variados homens de negócios. É natural, pois este tipo de serviços são essenciais. É como vender papel higiénico (quem é que não precisa de papel higiénico?). A disputa é tanta que é necessário agendar reuniões secretas com o chefe de estado para combinar a venda a alguém em específico através de um modesto donativo.
Assim, e após uma longa conversa, o Sr. Primeiro Ministro combina uma troca que colocará o Sr. Dr. Flipont numa posição bastante vantajosa quanto à aquisição da dita em empresa. Com um brinde de Zurrapa de €150, ambos celebram um negócio em que nenhum ficará a perder. O Sr. Primeiro Ministro arrecada uns milhares de euros que serão secretamente depositados numa conta protegida pela lei do segredo bancário de Otarioland e o Sr. Flipont ganha a oportunidade de explorar os cidadãos Otarienses numa das suas necessidades mais básicas. A energia.
Ambos se despedem com um sorriso sincero e com um pensamento comum: "É tão fácil enriquecer num país de otários..."

1 comentário:

Helel Ben Shahar disse...

"Reflecte a de um homem pequeno, com um pénis minúsculo, mas bastante adaptado nesta sociedade urbana e anti-natura. Apesar da atraente e inteligente esposa, os filhos são burros, têm os dentes tortos e um dia serão carecas. É o que acontece quando o dinheiro entra no processo evolutivo."

Uma bela tirada, meu caro. Um texto que vai directo ao assunto e ema escrita sem floreados e sem rodeios, como nos tens vindo a habituar.

Cheers!